domingo, 9 de agosto de 2009



VIDA APÓS A VIDA
(Bemvindo Siqueira)

Sempre pensei que ia morrer cedo. A luta armada, a clandestinidade,
aventuras, promiscuidade, orgias, riscos... Tudo me levava a crer que
não chegaria aos 30 anos. Para quem tem 20 anos, quem tem 30 já é
coroa. Tomei um susto quando vi-me vivo e saudável aos 30. Aos 40
percebi a possibilidade real da morte. No dia do meu aniversário
quarentão, um jovem ator de 24 anos perguntou como eu me sentia:

- Agora, de frente para a morte!!

Para minha surpresa foi o jovem quem morreu logo depois.

Aos 50 apaixonei-me pela letra de Aldir Blanc na voz de Paulinho da Viola.
Aos 50 anos, insisto na juventude..., isso enquanto percebia meu
ângulo peniano caminhando para os 90 graus. Mas, antes dos 60, a
pílula azul alargou minhas possibilidades e possibilitou-me ver o sexo
por ângulos mais estreitos.

Agora estou além dos 60. Aos 40 rezava pela alma dos mortos amigos e
parentes. Nome por nome eu pedia ao Senhor. Hoje, são tantos os que
caíram, que apenas peço pelos mortos em geral. E mais uma vez
espanto-me por estar ainda vivo, e consolo-me no Salmo 91.7, que diz:
Mil cairão ao teu lado e dez mil à sua direita, mas você não será
atingido. Mesmo confiando na Palavra, ainda assim caminho embaixo de
marquises pra São Pedro não me ver.

Ainda estou vivo, e pra quem pensou que morreria aos 30 descubro que
existe vida após a vida. Mas o preço do viver é muito alto para o
jovem de hoje: tem que comprar apartamento, arranjar um trampo, ganhar
dinheiro, ficar famoso, comer todas, bombar no iutube, malhar, casar,
ter filhos, comprar carro, estar bronzeado, conhecer tudo de web e
ainda ir ao show da Madonna, entre outras miudezas.

Após os 60 você já está quite com tudo isso e pensa que vai viver em
paz. Qual o quê: tem que tomar insulina, antidepressivos, rivotris,
controlar a pressão, não comer açúcar, não comer sal, não fumar, não
beber, se conseguir comer uma e outra já é uma vitória, tem que
caminhar ao menos meia hora por dia, cuidar do joanete, dormir cedo,
vender o apartamento, fugir da bolsa, não discutir no trânsito, não se
alterar no caixa do supermercado, tolerar os filhos, agradar os netos,
ficar calado diante da mediocridade, aceitar o salário de aposentado,
ter o testamento em dia e curtir todas as dores ósseas, nervosas e
musculares, porque se algum dia você acordar sem dor é porque está
morto.

Claro que o idoso tem suas vantagens: uma delas é a transparência.
Quanto mais velho, mais transparente você se torna. Chega a ficar
invisível: ninguém mais lhe percebe, mais um pouco e nem lhe enxergam.
Mas pode passar à frente dos jovens nas filas todas, com aquele ar de
superior:

"Você é jovem e sarado, mas eu tenho prioridade."

E ante qualquer aborrecimento ou dificuldade você ameaça infartar ou
ter um AVC. Funciona sempre, todos logo se tornam gentis e cordatos, e
é garantia de muitas meias e lenços como presentes no Natal.

Lidando com a minha terceira idade ouço de meu psicanalista, o bom
Luiz Alfredo: "Só há dois caminhos: envelhecer... ou o outro, muito
pior.

Prefiro envelhecer, aceitando cada minúsculo "sim" que a vida me dá
com uma grande alegria e uma grande vitória.

Hoje, quando encontro vaga num elevador de shopping, quando o banco
está vazio, ou quando encontro promoção na farmácia, já considero uma
bênção gigantesca e agradeço a Deus pela graça alcançada.

Após os 60, como no filme de Brad Pitt, regrido na existência, deixo
Paulinho e a viola de lado e reencontro Lupiscinio:

"Esses moços, pobres moços, ah, se soubessem o que eu sei."

Mas se soubessem não ia adiantar nada: porque a sabedoria é filha do tempo.

E como diz o amigo Percinotto, também idoso:

"O diabo é sábio porque é velho."

Pelo andar da carruagem, percebo que já morri muitas vezes nesta vida,
e que viverei até fartar-me.

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