quinta-feira, 22 de outubro de 2015

VIÑA VARELA ZARRANZ: SOFISTICAÇÃO E ESTILO

                         


Não há outra hipótese. Quem vive no Uruguai tem uma surpresa a cada dia. Descobre isso também quem visita o país platense e envereda pelos muitos circuitos da vitivinicultura local. Foi assim que um grupo de privilegiados, entre os quais muitos brasileiros, conheceram de perto os tesouros da Viña VARELA ZARRANZ, uma bodega que começou suas atividades em 1933. Um ano depois, a empresa adquiriu as instalações da adega construída em 1888, no município de Joaquín Suarez, pelo político e embaixador Don Diego Pons, que teve seu nome inscrito na história dos pioneiros da produção de vinhos uruguaios, tanto quanto Pascual Harriage e Francisco Vidiella, os que trouxeram as primeiras mudas de Tannat para a Banda Oriental do Rio da Prata.

A compra da antiga Granja Pons transformou a Família VARELA ZARRANZ em herdeira e continuadora de uma história pujante. Em 1985 adquiriram uma segunda propriedade de 60 hectares na localidade chamada Cuatro Piedras. Com a incorporação ao projeto da terceira geração familiar, em 1986, iniciaram-se um plano de renovação da área produtora fundacional e a implantação de novos vinhedos nos atuais 100 hectares consolidados, com a modernização da central de elaboração a partir do recurso a tecnologias de ponta. A busca de padrões de excelência baseados em capacitação e profissionalização permanentes fez então dessa bodega um marco singular de sofisticação e estilo. Nada menos.

                                       

                                  


São interessantes alguns aspectos da excursão. Envolta por jardins verdejantes muito bem cuidados com espécimes variados, chama a atenção, logo na entrada da aleia de oliveiras centenárias que introduzem os visitantes ao ambiente acolhedor que logo se agiganta. Descortinam-se a seguir a ambientação natural e as construções históricas muito bem conservadas da Viña, dando conta do cuidado esmerado que orienta a sua administração.

Prestigiosa e vanguardista, a bodega entesoura, ademais, particulares elementos patrimoniais da vitivinicultura uruguaia, como os gigantescos toneis produzidos em Nancy no século XIX, que vieram para o Rio da Prata desarmados e foram remontados no interior da atual VARELA ZARRANZ pelos próprios construtores, trazidos aos trópicos em 1892 especialmente para esse fim. Com razão, esses pioneiros exemplares de carvalho francês, os mais antigos em uso no Uruguai, perfeitamente conservados, estão tombados pelo patrimônio histórico e são uma atração à parte na visita às instalações subterrâneas, com paredes de cinquenta centímetros de largura que lhes garantem temperatura e umidade constantes. Convivem hoje com outras barricas menores, modernas, onde repousam os melhores vinhos da família.

Mas o valor e os méritos da tradição e da ambientação contemporânea não se esgotam ai. Vários hectares de vinhedos verdejantes, em plena primavera, se perdem de vista. A enóloga e atual diretora de exportação da bodega, Victoria Varela, acompanha os visitantes no percurso exploratório da zona vinícola principal, em Canelones, e assinala com orgulho que ela alberga cepas francesas originais e clones hoje produzidos com sucesso no Uruguai. A Tannat abre a lista, mas há também Cabernet Sauvignon,  Cabernet Franc e Merlot, que geram varietais e blends amplamente reconhecidos pela crítica especializada. Entre as uvas brancas, destacam-se a Chardonnay, a Sauvignon Blanc, a Viognier, a Muscat de Frontigan, a Muscat Ottonel, a Bourboulenc, a Marsanne e a Muscat Petit Grain, esta última como uma absoluta exclusividade da bodega.
                               



Ademais, os visitantes descobrem que o sistema adotado para a disposição ou condução dos vinhedos foi desenvolvido pelo investigador Alain Carbonneau, diretor do Instituto de Altos Estudos do Vinho de Montpellier e uma figura emblemática no setor vinícola mundial, especialmente na França. Chamado de “Lira”, o método adotado permite uma significativa expressão vegetativa das videiras, já que as uvas nascem de plantas altas e amplas dispostas verticalmente em dois braços montantes, simulando o antigo instrumento de cordas, a fim de receber dos raios solares a maior quantidade de energia possível. Assim, captam toda a luz do ambiente, todo o ar do clima e toda a riqueza de um solo ideal para o cultivo de variedades nobres.
Ao visitar a Viña no verão de 1989, conta-se que Carbonneau se manteve em prolongado silêncio, emocionado diante dos vinhedos exuberantes e dispostos em pleno trópico de acordo com sua metodologia. Ele sabia do esmero dos proprietários uruguaios ao recorrer ao seu saber erudito. Mas ali descobriu uma paisagem que superava o imaginado. A surpresa reverencial do ecofisiólogo francês foi um “momento sublime” para os herdeiros de Ramón e Antonio Varela, estes filhos de comerciantes galegos que se estabeleceram em Las Piedras em princípios de século passado e que fundaram em 1933 a cooperativa Viticultores Unidos Del Uruguay (VUDU), cativados pelos desafiantes elementos de cor e de sabor que resultariam daquela empreitada pioneira.
 
Na ocasião, o professor de Montpellier soube também que na Viña VARELA ZARRANZ, a cada vindima, os cachos são colhidos de forma manual, partem cedo à adega em baixa temperatura e começam a ser processados de imediato, conforme ele recomendava, a fim de que se preservem os aromas e o frescor das uvas e que se possam elaborar vinhos frescos e aromáticos, sem passagem por barril. Exatamente estes, da colheita de 2015, depois de oitenta anos de renovada prosperidade do terroir, foram os oferecidos pela bodega à degustação do grupo visitante, acompanhada de cuidadoso e harmonizado almoço que culminou com sorvetes caseiros recobertos de calda de Tannat. Um requinte, um estilo de recepção que poucas vezes se repete.

Ressalte-se que a bodega acumula vários prêmios nacionais e internacionais. Seu Tannat 2004 logrou a única Grande Medalha de Ouro uruguaia até então concedida, em Bruxelas. O Tannat Crianza, que permanece em barril por doze meses, obteve três Medalhas de Ouro em 2006 e 2007, durante concursos realizados no Brasil, na Argentina e na Eslovênia. Galardões muito bem recebidos pela VARELA ZARRANZ e assumidos como garantia dos compromissos qualitativos da empresa ao longo de décadas, a fim de que seus rótulos se mantenham entre os mais cobiçados em mais de vinte destinos consumidores, dentre os quais o Brasil que se posiciona como o primeiro importador em volume.

Pela avançada tecnologia aplicada na produção, seus exemplares de alta gama chegam hoje a qualquer lugar do mundo mantendo inalterável o conteúdo, com as mesmas características de excelência que possuem ao sair das mãos de seus dedicados criadores. Curiosamente, os vinhos de máxima qualidade elaborados com a Cabernet Sauvignon, cepa presente na VARELA ZARRANZ desde o século XIX e a que mais se beneficia do terroir, continuam sendo os mais vendidos.

Mas são da cepa Tannat, exclusivos ou associados em blends, os exemplares que merecem maior cuidado da Viña e a recompensam sobremaneira. Entre eles, destaca-se o exclusivíssimo Guidaí Detí Gran Reserva, o Tannat Crianza e o Teatro Solís, que foi produzido especialmente para comemorar o aniversário de 150 anos da mais importante sala de espetáculos do Uruguai. O que mais recomendo, contudo, são os espumantes da bodega, tendo a Chardonnay e a Viognier como bases. Eles são realmente imbatíveis e sem comparação, creio eu, com qualquer outro similar latino-americano. Em qualidade, talvez rivalize com a Brut Nature lançada no Chile pela Viña Morandé em 2012.
                                    
                                     

Como prefiro os secos, ressalto vivamente os dois exemplares dessa categoria, ambos elaborados na Viña VARELA ZARRANZ pelo artesanal método Champenoise: o Brut Nature e o Extra Brut. Este último, além de ser excelente por natureza é considerado o produto mais mimado da empresa, denominado María Zarranz em homenagem à matriarca da família, esposa do precursor Ramón Varela.

Eles são fermentados duas vezes, a segunda nas próprias garrafas, tapadas com uma capsula metálica semelhante às dos recipientes de cerveja, com a introdução prévia de um composto de fermentos e açúcar que proporcionam o nascimento das bolhas de dióxido de carbono, conforme idealizado pelo monge beneditino Dom Pérignon no século XVII. As embalagens são então colocadas em estantes com o gargalo para baixo, giradas um quarto de volta em movimentos secos periódicos, em processo chamado de “remuage”. Devido ao surgimento natural de sedimentos nas garrafas, congela-se apenas a extremidade do gargalo a 25ºC negativos, tira-se a capsula e a borra é expulsa pelo gás sob pressão. O volume do conteúdo eventualmente perdido é substituído por “vinho de dosagem”, uma mistura de vinho e açúcar, cujo teor determinará as qualificações de Brut e Extra Brut. Afinal, as garrafas são tapadas com as famosas rolhas de cortiça e mantidas na adega para a derradeira maturação, antes de ser comercializadas.

Com justiça, o María Zarranz Extra Brut ostenta na embalagem uma série de selos dourados em reconhecimento pelos seguidos prêmios recebidos nos últimos anos. Uma grande opção para comemorações especiais e o consumo durante as festas de fim de ano. Fica a recomendação.


                                          Silvio Assumpção                       
                                             

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